Não se assuste, não estou falando de objetos. Roubei da minha avó hábitos, manias e um jeito de ver o mundo que moldou quem eu sou. Se hoje me pego fazendo certas coisas sem pensar, sei que é porque cresci à sombra, ou melhor, ao carinho dela.
Minha família nunca foi tradicional. Meu pai saiu de cena quando eu tinha um ano. Em vez dele, tive minha mãe, avó e minha tia como figuras centrais. Cresci como filha única, mas com três primos que viraram irmãos. Enquanto minha mãe trabalhava o dia todo e viajava para garantir nosso sustento, eu ficava com minha avó. Dormia com ela, comia com ela, aprendia com ela.
O nome dela é Ivone.
Minha vó sempre foi apaixonada por tirar fotos. Nunca dela, só dos outros. Tenho álbuns e mais álbuns com registros da minha infância, adolescência e vida adulta. São memórias organizadas com tanto cuidado que parecem diários silenciosos. Ela nunca gostou de ser fotografada. Tenho minhas hipóteses, mas nunca perguntei. Talvez porque eu saiba que não quero ouvir a resposta.
Também herdei esse amor por fotografar. Gosto de revelar fotos, colocá-las em cadernos e álbuns, como quem coleciona provas de que viveu. Não é só estética. Uma foto impressa captura o sentimento do momento. A alegria de um aniversário em Curitiba. O frio inesperado em Gramado. O silêncio de amizades que se perderam. Algumas fotos me arrancam um sorriso. Outras, uma saudade que arde.
Outra coisa que veio dela: os livros. Minha avó sempre leu com uma fome que eu invejo. Romances em pilhas, devorados em poucas horas. A leitura, para ela, era um ritual. Para mim ainda é um luxo entre tarefas e cansaços, mas continuo tentando.
Ela sempre foi sozinha, mas nunca solitária. Meu avô morreu quando eu tinha três anos. Dizem que eu era a neta favorita. A neta de ouro. Nunca soube como me sentir sobre isso. Ainda não sei.
Minha avó tem amigas fieis. Encontros mensais com café e bolos. Tiravam fotos, trocavam presentes. Esse costume eu não herdei. Mas o amor por dar presentes, sim. Pensar no que o outro gostaria, encontrar algo que diga: “eu vejo você”. Isso é minha forma de dizer que me importo.
Não sei o quanto disso foi escolha ou herança. Só sei que, se hoje eu sou quem sou, muito é por causa dela.
Às vezes me pego rindo como ela. Outras vezes, organizando uma estante como ela faria. No fim, talvez seja isso: não roubei nada. Fui presenteada.
E sigo vivendo entre o que ela me ensinou e o que ainda tento aprender.
Agradecimentos:
Um especial à minha Ivone.
Outro à minha mãe.
E o último para minha tia.
Para me despedir, deixo duas músicas com muito significado para essa família que tenho: